Na era dos algoritmos, a recuperação de crédito se transforma com inteligência artificial — mas é o fator humano que garante confiança, empatia e relações duradouras com os consumidores.
Por Eric Garmes, CEO da Paschoalotto
Durante décadas, a recuperação de crédito foi um setor estagnado em termos de inovação. O modelo tradicional, centrado em listas de inadimplentes, roteiros engessados e abordagens impessoais, era caro, ineficaz e frequentemente desgastante — tanto para empresas quanto para consumidores. Nesse contexto, a chegada da inteligência artificial (IA) prometeu romper esse ciclo. E, de fato, trouxe avanços significativos. Mas é preciso uma leitura realista: a IA transforma, mas não substitui a presença humana.
No cenário atual, observamos que a inteligência artificial tem papel estratégico principalmente na automação de tarefas repetitivas, na personalização de abordagens e no aumento da eficiência operacional. Em casos de inadimplência de curto prazo — quando o débito é recente e causado por esquecimento ou instabilidade financeira momentânea —, a IA mostra excelente desempenho. Ela identifica padrões, escolhe o melhor canal de comunicação, adapta a linguagem ao perfil do consumidor e propõe soluções com assertividade. O resultado? Produtividade ampliada e altas taxas de recuperação.
No entanto, a lógica muda quando o atraso no pagamento está relacionado a situações de vulnerabilidade emocional, como desemprego, problemas de saúde, separações ou luto. Nessas circunstâncias, o consumidor não quer — e não deve — conversar com um robô. Ele precisa ser ouvido, acolhido e respeitado. Não há chatbot que substitua a empatia. E é nesse limite que a tecnologia encontra sua fronteira mais clara: o valor do contato humano.
Nossa experiência aponta que a IA é eficaz em cerca de 50% dos casos. Nos outros 50%, quem faz a diferença é o humano — e não qualquer humano. É preciso preparo emocional, escuta ativa, empatia e uma estrutura de apoio que permita acolher sem julgamento. A tecnologia, nesse contexto, é uma aliada silenciosa. Ela organiza dados, orienta caminhos, oferece insights. Mas quem representa a imagem da empresa e conduz a conversa sensível ainda é — e continuará sendo — uma pessoa.
Esse equilíbrio entre tecnologia e humanidade é o que sustenta a evolução saudável da recuperação de crédito. A IA nos torna mais rápidos, analíticos e estratégicos. Já o contato humano preserva a confiança, a dignidade e a possibilidade de recomeço para quem está fragilizado do outro lado da linha.
É nesse ponto que propomos uma nova leitura da evolução da IA nas empresas. Em vez de uma revolução repentina e absoluta, enxergamos três fases distintas e complementares:
Fase básica – automação de tarefas simples e rotineiras;
Fase incremental – aplicação de inteligência preditiva, personalização e decisões operacionais baseadas em dados;
Fase disruptiva – transformação profunda da experiência do consumidor, com novas lógicas de atendimento, indicadores e fluxos.
Essas fases não ocorrem simultaneamente nem com a mesma intensidade em todas as empresas. É necessário maturidade para reconhecer onde sua organização está e quais os próximos passos — sempre com consciência, estratégia e responsabilidade.
Segundo relatório da Market.us, o mercado global de IA voltada à recuperação de crédito deve movimentar US$ 15,9 bilhões até 2034, com uma taxa de crescimento média de 16,9% ao ano entre 2025 e 2034. Os números impressionam, mas sozinhos não garantem sucesso. Sem governança, ética, senso crítico e propósito, a tecnologia pode até automatizar a cobrança — mas jamais construirá relacionamentos duradouros com os consumidores.
No fim das contas, recuperação de crédito não é apenas sobre dinheiro. É sobre confiança, reconexão e recomeços. A tecnologia deve — e pode — facilitar esse processo. Mas quem ouve a história, entende o contexto e estende a mão, ainda é o humano.
A inteligência artificial é um caminho sem volta. Mas o ponto de chegada segue o mesmo: um mercado mais eficiente, mais justo e, sobretudo, mais humano.
Quero encerrar com uma frase dita pelo cantor Alok no Coachella, um dos maiores festivais de música do mundo, que traduz exatamente este pensamento:
“Mantenha a arte humana.”
