Por Vanes Costa, diretora de Projetos e Relacionamento com Clientes da Under Protection
Há pouco mais de uma década, o cotidiano das empresas era completamente diferente. Processos eram manuais, decisões passavam de mesa em mesa e as relações entre colegas, líderes e clientes eram marcadas pela proximidade.
Hoje, a automação domina quase todas as etapas do trabalho. Ganhamos eficiência, mas perdemos parte da espontaneidade. E essa troca entre o humano e o digital exige cuidado.
A digitalização não é apenas sobre tecnologia. É, sobretudo, sobre como as pessoas se adaptam e se relacionam em um mundo mediado por sistemas. A automação não substitui o humano — ela amplifica o que já existe, inclusive as falhas de empatia, quando a cultura organizacional não é bem construída. Essa é uma questão ainda mais sensível no setor de tecnologia.
“Quando tudo era mato…”
Anos atrás, quase tudo dependia das pessoas. As rotinas eram registradas em papel, as anotações ficavam nos cadernos e resolver um problema significava conversar olho no olho. Havia menos escala e mais contato.
A tecnologia ainda engatinhava, e a relação com o cliente era construída na convivência. O que mantinha as empresas de pé não eram os sistemas, mas a confiança. O que se prometia era cumprido, porque as relações eram diretas e pessoais.
Era um tempo em que as empresas funcionavam quase como famílias — no melhor e no pior sentido. As relações eram intensas, por vezes informais demais, mas havia um forte senso de pertencimento. Com o crescimento, vieram também as mudanças: novos controles, registros digitais, fluxos automatizados e a necessidade de padronizar.
O que antes era uma conversa virou um processo.
A automação trouxe ganhos inegáveis — eliminou erros, deu visibilidade e permitiu que as empresas crescessem sem perder o controle. Mas também criou novas distâncias.
Quando passamos a nos relacionar com sistemas em vez de pessoas, a empatia corre o risco de se perder no caminho.
É o paradoxo da modernidade corporativa: ganhamos eficiência, mas precisamos lutar para manter a humanidade.
O desafio das lideranças passou a ser equilibrar tecnologia e sensibilidade, garantindo que os processos não engessem as relações — internas ou com os clientes.
Mudar e evoluir nunca significou deixar tudo para trás. O desafio é inovar sem perder o vínculo humano.
Chegamos até aqui
Hoje, a confiança continua sendo o eixo central das relações corporativas — mas ela precisou se reinventar. No modelo híbrido e remoto, a confiança deixou de ser medida pela presença física e passou a ser construída pela entrega, pela transparência e pela autonomia.
Ela é sustentada por cultura, não por vigilância.
A tecnologia tornou o trabalho mais flexível, mas também mais solitário.
Por isso, o papel das lideranças mudou: é preciso estar presente mesmo à distância, criar espaços de escuta e garantir que a automação sirva às pessoas — e não o contrário.
Essa lógica também se reflete na experiência com o cliente.
De acordo com o Zendesk CX Trends LATAM 2025, 83% dos consumidores brasileiros trocariam de marca após uma experiência ruim. Ou seja: eficiência sem empatia tem custo.
Outro estudo, da Serasa Experian (2025), aponta que 45% dos brasileiros não perceberam melhora no atendimento com chatbots, o que reforça a necessidade de humanizar a tecnologia.
Ao mesmo tempo, há sinais de avanço. O relatório Global Happiness Index 2025 mostra que 72% dos consumidores globais percebem benefícios da automação — e, no Brasil, esse número sobe para 81%, indicando que as pessoas aceitam a tecnologia quando ela agrega valor e preserva o cuidado humano.
Humanizar, hoje, significa acolher diferenças, respeitar limites e reconhecer o ritmo de cada pessoa.
A empatia deixou de ser apenas uma virtude — virou competência essencial, tanto no relacionamento com o cliente quanto nas relações internas que sustentam o negócio.
O futuro será híbrido — e humano
O próximo passo da digitalização é inevitável: inteligência artificial, automação preditiva e processos cada vez mais autônomos.
Mas essa evolução não pode ser excludente.
Nem todos têm o mesmo acesso, preparo ou familiaridade tecnológica — e é papel das organizações garantir que a inovação seja acessível, inclusiva e ética.
Um estudo recente da Infobip e Opinion Box mostra que apenas 36% dos brasileiros confiam que seus dados estão seguros ao interagir com IA, enquanto 29% não confiam.
A humanização, portanto, também passa por transparência e responsabilidade no uso de dados.
A tecnologia é uma ferramenta poderosa — mas precisa ser mediada pelo discernimento humano.
Ainda será necessário quem saiba dizer: “espere”, “explique melhor” ou “como você está?”.
Nenhum algoritmo substitui isso.
O futuro das relações de trabalho e de consumo será híbrido: entre pessoas e máquinas, dados e intuição, eficiência e empatia.
A automação continuará evoluindo — e isso é mérito da inteligência humana.
Automatizar é inevitável. Humanizar é uma escolha.
E é essa escolha que define o tipo de relação que queremos construir.
