Falta de profissionais qualificados ameaça a transformação digital no Brasil, mas iniciativas educacionais e parcerias podem reverter o cenário.
Por Francisco Carlos, editor da plataforma Tec Login
O mercado de Tecnologia da Informação (TI) no Brasil e no mundo vive um paradoxo: enquanto a demanda por profissionais qualificados cresce exponencialmente, impulsionada pela transformação digital, a oferta de trabalhadores capacitados na área não acompanha esse ritmo. Em 2024, a escassez de profissionais especializados em TI atingiu níveis críticos, levando empresas e especialistas a buscarem soluções para preencher essa lacuna e manter a competitividade no cenário global.
Segundo um relatório da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), divulgado no início deste ano, o Brasil precisa formar aproximadamente 800 mil profissionais de TI até 2025 para atender às demandas do setor. No entanto, as universidades e cursos técnicos não estão conseguindo suprir essa necessidade, com uma formação anual de cerca de 53 mil profissionais, número muito abaixo do necessário para suprir o déficit. Esse descompasso entre oferta e demanda é especialmente crítico em áreas de alta especialização, como cibersegurança, inteligência artificial, ciência de dados e desenvolvimento de software.
Fatores que agravam a escassez de profissionais de TI
A falta de profissionais capacitados em TI é impulsionada por diversos fatores. Primeiramente, a velocidade da inovação tecnológica exige uma constante atualização das habilidades técnicas, o que torna difícil para os profissionais, muitas vezes, acompanhar as mudanças. Novas linguagens de programação, metodologias ágeis e tecnologias emergentes, como blockchain e IA, estão constantemente redefinindo o que significa ser um profissional de TI atualizado.
Além disso, a crescente adoção de soluções digitais em empresas de todos os setores aumenta a competição por talentos especializados. Organizações que antes não tinham grande presença digital agora exigem equipes robustas de TI para impulsionar projetos de transformação digital, ampliando a pressão sobre a oferta limitada de mão de obra. Startups de tecnologia, grandes corporações e até mesmo órgãos governamentais disputam os mesmos talentos, o que agrava o cenário.
Outro agravante é a competição global por profissionais. Em um mundo cada vez mais conectado, trabalhadores de TI qualificados podem atuar remotamente para empresas de qualquer lugar do planeta, ampliando as oportunidades fora do Brasil e tornando difícil para as empresas brasileiras competirem com os altos salários e pacotes de benefícios oferecidos por companhias estrangeiras. Essa “fuga de cérebros” representa um desafio adicional para a retenção de talentos no país.
Caminhos para reduzir a escassez de mão de obra em TI
Apesar do cenário desafiador, existem iniciativas e caminhos que podem ajudar a mitigar a escassez de profissionais qualificados em TI no Brasil. Diversos especialistas e estudos recentes apontam soluções viáveis para enfrentar o problema.
- Incentivo à educação tecnológica desde cedo: Uma das soluções mais mencionadas por especialistas é o estímulo ao ensino de tecnologia e programação desde os primeiros anos escolares. Em países como Estônia e Finlândia, as crianças são expostas ao ensino de programação e pensamento computacional logo no ensino fundamental. Implementar essa abordagem no Brasil pode não só aumentar o interesse por carreiras em TI, mas também preparar uma nova geração de trabalhadores qualificados desde cedo.
- Ampliação de programas de qualificação e requalificação: Empresas e governos têm apostado em programas de qualificação e requalificação profissional como uma das principais soluções de curto e médio prazo. Um exemplo é o programa Qualifica Mais, promovido pelo Ministério da Educação em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, que visa a requalificação de profissionais de outras áreas para o setor de TI. Além disso, iniciativas privadas, como bootcamps de programação oferecidos por empresas como a Digital House e Ironhack, têm ganhado força ao fornecer formação intensiva em áreas de alta demanda.
- Parcerias entre empresas e universidades: A criação de parcerias entre o setor privado e instituições de ensino superior tem sido apontada como uma forma eficaz de alinhar as habilidades ensinadas nas universidades com as demandas do mercado. Empresas de tecnologia podem contribuir com currículos atualizados, estágios e treinamentos que preparem os alunos para as necessidades reais da indústria. A IBM, por exemplo, tem um programa chamado IBM SkillsBuild, que oferece cursos gratuitos em tecnologias emergentes para estudantes e profissionais em transição de carreira.
- Adoção de metodologias de ensino híbrido e flexível: A pandemia acelerou a adoção de modelos de ensino híbrido e flexível, que permitem que mais pessoas tenham acesso à educação, inclusive em regiões mais distantes dos grandes centros urbanos. Essa abordagem pode ajudar a expandir a formação de novos profissionais de TI no Brasil, atingindo pessoas que antes não tinham acesso à educação de qualidade na área. Plataformas como Coursera, Udemy e Alura estão democratizando o ensino de tecnologia, permitindo que qualquer pessoa, de qualquer lugar, aprenda programação, análise de dados, entre outras competências.
- Maior inclusão de mulheres e minorias na área de TI: A promoção da diversidade no setor de TI é uma solução frequentemente citada para ampliar a oferta de profissionais capacitados. As mulheres, por exemplo, ainda representam uma pequena parcela da força de trabalho em tecnologia no Brasil. De acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), as mulheres ocupam apenas 20% dos cargos na área de TI. Promover políticas inclusivas e aumentar a participação de mulheres e minorias pode ser uma maneira eficaz de aumentar o número de profissionais no setor.
- Fomento à cultura de aprendizado contínuo nas empresas: As empresas também podem contribuir oferecendo programas de capacitação e treinamento para seus funcionários. Uma cultura de aprendizado contínuo é fundamental para garantir que os profissionais de TI mantenham-se atualizados em um setor que evolui rapidamente. Empresas como Google, Microsoft e Amazon oferecem constantemente certificações e treinamentos voltados para suas tecnologias, permitindo que os funcionários se qualifiquem e se atualizem dentro das próprias organizações.
Oportunidades e desafios futuros
A alta demanda por profissionais de TI no Brasil não deve diminuir tão cedo. Áreas como inteligência artificial, análise de grandes volumes de dados (Big Data) e segurança cibernética continuarão em expansão nos próximos anos, ampliando ainda mais a necessidade de mão de obra qualificada. No entanto, se o país não agir rapidamente para corrigir o déficit de profissionais, o crescimento do setor pode ser prejudicado.
Para que o Brasil se posicione como um dos protagonistas da transformação digital global, é necessário um esforço conjunto de empresas, governo e instituições de ensino para formar e capacitar novos talentos. A tecnologia continua sendo um dos principais motores do desenvolvimento econômico, e a oferta de profissionais qualificados em TI será determinante para a competitividade do país no futuro.
A escassez de mão de obra qualificada em TI é uma realidade preocupante, mas que pode ser revertida por meio de estratégias de educação, inclusão e inovação. Ao investir em uma formação de qualidade, parcerias e programas de requalificação, o Brasil poderá reduzir significativamente esse déficit e alavancar seu potencial tecnológico nos próximos anos.