Uso massivo de IA no LinkedIn gera tsunami de currículos e pressiona RH. Recrutamento automatizado revela limites e desafios para empresas e candidatos.
Felipe Jun – sócio-diretor de Produto e Tecnologia, Experiência e Processo na Cia de Talentos
O aumento exponencial no uso de inteligência artificial (IA) para gerar currículos personalizados está sobrecarregando os recrutadores no LinkedIn. Nos Estados Unidos, a plataforma recebe hoje, em média, 11 mil candidaturas por minuto — um aumento de 45% no último ano, impulsionado pelo uso da IA, segundo o Times of India. Um recrutador publica uma vaga e, em poucas horas, recebe centenas, às vezes milhares de currículos, muitos deles criados por IA, capaz de personalizar documentos em segundos.
Mas será que o problema está mesmo na tecnologia e nas pessoas candidatas? Ou apenas na forma como o próprio processo de recrutamento foi entregue às máquinas?
O jogo dos algoritmos
Em resumo, a IA permite que o profissional crie um currículo direcionado e uma carta impecável a partir de um simples prompt. Isso facilita o disparo massivo de candidaturas. Mas é injusto? Ou apenas a contrapartida natural de um processo já altamente automatizado?
Afinal, estamos falando de sistemas que ranqueiam candidatos por palavras-chave, filtros que eliminam perfis em segundos e algoritmos responsáveis pelo “match” com a vaga.
Atualmente, de acordo com levantamento da plataforma All About AI, 87% das empresas já utilizam ferramentas de recrutamento baseadas em IA, e cerca de 90% dos empregadores automatizam a triagem de currículos. Se o jogo já é mediado por robôs, como esperar que o profissional não use as mesmas ferramentas para aumentar suas chances?
Essa assimetria abre questões éticas importantes: qual é, de fato, a qualidade da triagem? Quais critérios — e vieses — estão embutidos nessas IAs? E até que ponto a chamada “meritocracia algorítmica” não passa de ilusão?
Fraude ou sobrevivência?
Muitos candidatos recorrem à IA porque já não sabem o que o recrutador espera — e nem se alguém realmente lê o currículo enviado. Mas também é verdade que a ferramenta pode ser usada de forma leviana, com exageros ou informações distorcidas, visando burlar o sistema.
Pesquisas recentes reforçam essa preocupação. Um levantamento divulgado pela Forbes, baseado no estudo da CV Genius, mostra que 80% dos recrutadores desaprovam candidaturas geradas por IA e 74% afirmam conseguir identificar quando a tecnologia foi utilizada.
O ciclo é vicioso. E não adianta tentar barrar o uso da IA — esse navio já zarpou.
Para além dos filtros
O caminho está em criar processos mais transparentes, com comunicação clara sobre critérios de seleção e menos dependência cega de filtros automáticos. É nesse ponto que os assessments humanos ganham relevância.
Ferramentas como o Recognita, que avalia inteligência fluida e capacidade de aprendizagem, ou o Culturama, que mede compatibilidade cultural, não permitem que a IA “faça o trabalho” no lugar da pessoa candidata. A tecnologia pode apoiar, mas não substitui o que é genuinamente humano.
Reflexo do sistema
No fim, a IA não criou o caos. Ela apenas revelou a lógica fria e mecanizada que já predominava no recrutamento moderno.
A pergunta que fica é: estamos realmente buscando a melhor pessoa para a melhor posição ou apenas economizando tempo para que as máquinas façam a triagem?
Até lá, usar IA para se candidatar não é fraude. Talvez seja apenas sobrevivência.
